quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Capítulo 4



4

A noite estava perfeita, a decoração estava um luxo como tudo na vida de Clare, a mãe de Gilian. A mansão estava toda iluminada e ela estava muito elegante e sorridente. Eu estava ao lado de Gilian o tempo todo, ele não me largava um minuto. Percebi que ele não se sentia bem perto do pai, acho que havia uma rejeição em relação à opção sexual do filho, talvez essa fosse a razão da tristeza que ele, às vezes, transparecia. Seu pai ainda não o aceitara. Sua mãe era diferente. Era louca por ele e o mimava demais quando estávamos por perto. Gilian e eu tínhamos a mesma idade. Certa vez, ela disse que eu e ele parecíamos cúmplices de um grande delito.
Os convidados chegaram e Gilian havia convidado umas duas colegas da faculdade e seus dois amigos travestis que eu havia conhecido na balada quando conheci Antony. ANTONY, mais uma vez me pego pensando nele e em suas palavras dominadoras, em suas mãos, em seus lábios e em sua língua... Nossa! O que aquele homem era capaz de fazer com ela. Ele deveria ser proibido de caminhar na rua. Ele sim era um perigo. Principalmente pra mim. Soltei o ar dos pulmões e afastei as lembranças, aquilo já era o bastante pra me deixar excitada.
O jantar transcorreu como o programado e as devidas homenagens a aniversariante foram feitas. Quando finalmente Clare teve uma folguinha eu fui cumprimentar-lhe com Gilian. Quando virei-me, vi Mauro...
-Uau, que mundo pequeno! Como vai Dr. Mauro?
-Tudo bem Elise, e você?
-Estou ótima, você conhece Gilian?
-Posso dizer que o conheço a minha vida toda. – Nisso ele o puxou e deu-lhe um abraço.
Foi a primeira vez que vi Gilian sem graça.
-Então vocês já se conhecem.
-Elise, Mauro é meu irmão.
Abri a boca e fechei novamente, olhando-os. Realmente havia uma semelhança: tinham os olhos verdes, cabelos castanhos e eram parecidos com Clare.
-Mas, você não me disse que já conhecia o Mauro!
-Foi esse o cara que bateu no meu carro no primeiro dia de aula. Você lembra?
-Você realmente estava dizendo a verdade? –provocou Gilian.
-Vai se ferrar Gilian! –retruquei.
Mauro ouvia tudo com certo interesse.
-Mauro, nos conhecemos na faculdade. Nós estudamos na mesma turma e viramos melhores amigos de lá pra cá. –eu disse.
-Na verdade viramos unha e carne. Mamãe disse que se tivesse tido gêmeos e um tivesse sido roubado, esse gemêo seria a Elise, porque nunca viu duas criaturas tão parecidas. –disse Gilian.
Rimos todos do comentário da Clare.
-Isso é bem a cara dela. –Disse Mauro. E de repente com a cara de preocupação pediu licença e saiu em direção de uma loira mais ou menos da minha altura, que estava com um coque e um vestido com mangas compridas preto. Estranhei o vestido pra aquela ocasião, já que estava bem quente, mas não comentei nada.
-Aquela é Ângela, a ex-mulher dele. Vê as mangas compridas, são pra disfarçar as cicatrizes dos pulsos.
-Ah! Então era pra salvar a vida dela que ele bateu no meu carro naquele dia. Então ele também estava falando a verdade.
-Ele disso isso a você?
-A mim e aos policiais.
-Meu irmão está enfrentando uma barra com essa separação. Ela não quer aceitar e ameaça se matar o tempo todo.
-O que aconteceu? Por que eles se separaram?
-Essa é uma longa história que depois eu vou lhe contar, mas por enquanto você só precisa saber que ele não a ama mais, na verdade nunca a amou.
Só mordi meu lábio pra Gilian. Parecia que era uma história bem complicada e era melhor eu ficar de fora.
Estávamos na pista de dança, com nosso grupo, quando o DJ que Gilian contratou começou a tocar “Crazy in Love” com Beyonce. Tracy e Amanda, os nossos amigos travestis me puxaram pelo braço e começamos a dançar e dublar a Beyonce. Gilian e as meninas riam da nossa performance e logo outras pessoas também se divertiam e nos davam espaço na pista. Parecia um show a parte. Quando percebi estavam todos olhando. Imitávamos a cantora com todos aqueles rebolados, virando a mão, cabeça e tronco, sincronizados. Até parecia que tínhamos ensaiado e a cada vez que girávamos, meu vestido subia até a altura das minhas coxas. Quando olhei pra Gilian, ele estava estupefato com as mãos na boca. Demos um show e fomos aplaudidas.
Em seguida, o Dj soltou “Naughty Girl”, mas voltamos pra perto do grupo e eu comecei a dançar lá, alguns passos de dança do ventre, pra surpresa de Gilian e de Mauro que estava do seu lado.
Ele não perdia um passo que eu dava e me olhava com um certo interesse e foi assim a noite inteira. Sempre que procurava seus olhos, eles estavam lá me cercando, devorando-me e admirando-me. Bebi muito. Não, na verdade eu e Gilian exageramos e ficamos bêbados. Foi o meu primeiro porre na vida e tudo estava muito engraçado. TUDO.
-Oi, Elise. –falou uma voz irritante que me perseguia pela faculdade todo dia.
-Oi, August.
-Será que poderíamos jantar na segunda?
-Desculpe, mas já tenho compromisso.
-Jura?
-É... olhei pra Gilian que tinha sumido...estava bêbada demais pra pensar numa desculpa...nem tanto quando Mauro se aproximou... -tenho um jantar com o Mauro! Não é Mauro? –pisquei pra ele. Eu sabia que ele tinha adorado.
-Sim, ela vai jantar comigo. –olhou-me com cumplicidade.
-E na terça? Poderíamos almoçar o que você acha?
-Tenho ginecologista às 11h. -homem detesta papo de ginecologista então... mas era verdade.
-Depois?
-Vou pra casa me recuperar do trauma psicológico causado por esse profissional.
Mauro engasgou e Gilian também, já havia voltado.
-Então a gente marca outro dia.
Sorri e ele se retirou.
-Será que não se toca? –falou Gilian.
-Não trate assim o pobre homem! É apenas mais um reagindo aos seus encantos. Você realmente tem uma consulta com um ginecologista? –perguntou Mauro.
-Claro que tenho. Um tal de Dr. Kevin Schilling. Conhece?
-Não! Com licença, preciso ir ali. –disse Mauro.
-Eu decididamente preciso de uma bebida pra engolir essa. –disse Gilian engasgando.

*********

-Gilian posso entrar.- bati à porta de seu quarto.
-Entre!
-Nâo acredito que você esqueceu.... quer dizer eu... eu esqueci minha camisola e minha escova de dentes. –sorri ao ver que Mauro estava conversando com ele.
-Eu tenho escovas novas e você pode dormir com uma camiseta velha minha. –falou rindo.
-Camiseta velha? Francamente, eu mesma vou escolher. -e entrei em seu closet.
Eles ficaram conversando no quarto.

*********

-Alô, Gilian? É o Mauro, você pode me dá o endereço da Elise?
-Ah! Oi Mauro. Sim, mas o que aconteceu?
-Não aconteceu nada. Só quero levá-la pra jantar.
-Ah!

********

-Oi, Teresa, portaria, O Dr. Mauro está aqui querendo falar com D. Elise.
-Oi, Seu Pedro, só um minuto... Ah! sim, pode deixá-lo subir.

*********

-Nossa! O Mauro aqui há essa hora? –perguntou meu inconsciente – Será que aconteceu alguma coisa com o Gilian?
-Pode deixar Teresa eu abro!
-Mauro! Olá!
-Oi! Posso entrar? –disse percorrendo os olhos sobre a camiseta de alcinhas finas de algodão e o curtíssimo short jeans que eu usava.
-Ah! Claro, por favor. -Assim que ele entrou, eu perguntei:
-Aconteceu alguma coisa com Gilian?
-Não, relaxe! –e riu como se aquilo fosse muito engraçado. –Desculpe, mas ele perguntou a mesma coisa quando pedi seu endereço.
-Ah! E qual é o motivo da sua visita tão inesperada?
-Adoro seu jeito direto! Bem, eu tenho uma reserva no Drink & Gourmet para as 21h... E pensei em convidá-la... O que me diz?
-Oh! Meu Deus! Mauro, naquela noite não foi uma deixa pra você me convidar pra jantar. Na verdade, eu te usei como válvula de escape para fugir de alguém irritante. Eu sei que foi muito feio de minha parte, mas...
-Pode me usar à vontade Elise, desde que isso signifique que você vai aceitar meu convite.
-Você se sentiu obrigado...ou melhor encorajado...a me convidar, não é?
-É. E isso foi bom pra mim.
-Foi? –fiquei curiosa.
-Foi, porque facilitou as coisas pra mim. Eu estava querendo convidá-la há mais tempo. O que me diz?
-Hummmm...Tudo bem, desde que me leve pra dançar depois.  Quanto tempo eu tenho pra me arrumar?
-Acho que levo uns 20 minutos pra chegar ao restaurante...hummmm...-imitando minha voz -40 minutos....
-Eu te mato! Não se faz isso com uma mulher... –e saí da sala correndo pro quarto, enquanto ele ficou rindo da situação e do meu desespero. –Fique à vontade. –grito antes de fechar a porta do quarto.
-Relaxe! - ele grita de volta.

*********

        Quarenta e oito minutos depois, eu estou de volta. Optei por um vestido turquesa frente-única, maquiagem um pouco carregada nos olhos, gloss, coque com alguns fios soltos, bem despojado, brincos de brilhante...
-Desculpe! Me atrasei muito? –fingi não perceber seu deslumbre ao me ver.
-Não, estamos bem a tempo. Podemos ir?
-Sim.
        No elevador, ele olhou-me de relance, com o canto dos olhos. Fingi também não perceber, nem a forma como me conduziu pra dentro dele, com a mão em minha cintura.
        No estacionamento, ele havia estacionado na minha segunda vaga, ao lado do Audi. Olhou-o e disse:
-É um belo carro! Você tem o gosto bem masculino pra carro.
-Quer dirigi-lo?
-Fica pra uma próxima vez, obrigado. Vamos no meu.
-Ok. –isso quer dizer que ele quer ficar à vontade. E não há nada mais “à vontade” do que o homem em seu território. Isso é um bom sinal.

**********

No carro, peguei-o sorrindo.
-Qual é a piada? – perguntei rindo também.
-Não é piada, tô lembrando da sua confusão ao se arrumar...
-Ah! Aquilo foi demais pra você!
-Não mesmo! Talvez pra qualquer um que não seja filho da minha mãe. Sempre estávamos os quatro prontos esperando por ela... depois de uma eternidade, finalmente ela descia estonteante... como você hoje... aliás, você se saiu muito bem. –virou a cabeça e sorriu pra mim, um sorriso maravilhoso.
-Obrigada! –agradeci confusa se foi pelo estonteante ou pela rapidez. -Desculpe, estou distraindo você?
-Sim, está. Não se preocupe, não vou bater em outro carro. Sou um bom motorista.
-Sim, é. –rimos
-Claro que sou. Aquilo foi um descuido. – de repente ficou sério. Certamente lembrando-se da louca da sua ex-mulher. Tentando descontraí-lo, peguei seu ipod e perguntei:
-Posso botar uma musica? -E comecei a olhar sua biblioteca...
-Deixa que eu faço isso.
-Vá lá surpreenda-me.
        Ele rapidamente apertou em alguns botões e Michael Bubblé começou a cantar “Crazy Love”.
-Boa escolha, Dr. Mauro.
-Por que às vezes, você me chama de Dr. Mauro?
-Sei lá, acho que é porque naquele dia, do descuido... –pronunciei essa última palavra bem lentamente. Ri e ele também...  -Você deixou seu cartão escrito assim, Dr. Mauro e o número do seu telefone.
-Ah! Eu gosto quando você fala assim.  As palavras “Dr. Mauro” saem de uma forma muito sexy da sua boca...- e antes que eu pudesse dizer alguma coisa ele estacionou ...-Chegamos!
-Nossa, foi rápido!... Infelizmente na hora em que Bee Gees ia começar a cantar “Alone”.
-Senhorita, posso dar uma dúzia de voltas ao redor do quarteirão só pra você ouvir essa música. Quer?
-Não! Na volta!
-Bom! Vamos, então!
        Definitivamente ele estava flertando comigo. No restaurante, a hostess levou-nos à mesa. Sentamos e fizemos nossos pedidos. Mauro pediu um Cháteau Latour. Uau! Ele queria me impressionar, e estava conseguindo. A verdade é que eu entendia muito pouco de vinho, mas pela cara que o garçom fez, deu pra entender que se tratava de um bom vinho.
-Então, Mauro qual é sua especialidade? –perguntei puxando conversa.
-Sou ginecologista.
-Gi-ginecologista? –Meu Deus!
-É. Por quê?
-Achei que você fosse qualquer outro tipo menos ginecologista. Tomei um gole do meu vinho. –Por que eu estava nervosa?
-Você achou que eu fosse o quê?
-Ah! Acho que cardiologista, geriatra, cirurgião, alguma coisa mais séria...
-Ginecologia é uma coisa séria.
-Não foi isso que eu quis dizer, Mauro! É que não combina com seu jeito sério... quer dizer, eu sempre te vi lendo, sempre tão sério, observador, calado...
-Que bom saber que você andou reparando em mim. Eu não sou tão velho assim, Elise. Você está me descrevendo como um homem de 60 anos.
-Isso não é verdade. Eu sei que o grisalho do seu cabelo não condiz com a inexistência de linhas de expressão ao redor dos seus olhos. Você deve ter uns 35 anos.
-38 pra ser mais exato.
-Enfim...
-Por que você está tão sem-graça, Elise?
-É porque acho que estou com cara de vagina!
        Ele olhou surpreso e depois deu uma boa gargalhada. Ri também.
-Decididamente essa noite promete ser muito agradável!
-Está rindo de mim?
-Sim, você está me provocando! Além do mais, eu não ando por aí vendo vaginas em tudo quanto é lugar.
-Tudo bem, vou tirar minha cara de v... você sabe do que.
-Ela ainda está aí. –ele disse rindo.
-Entenda, só acho estranho estar com alguém que entenda da minha vagina melhor do que eu.
-Ôpa, ôpa, isso não é verdade. Eu nunca tive o prazer de lhe examinar.
-O Prazer? –fingi uma cara de horror.
-Quer dizer... não foi bem isso que eu quis dizer...-ele ficou muito embaraçado.
-Vai fundo! Quero ver você se sair dessa Dr. Mauro? Se bem que “Vai fundo” é piada de ginecologista. Entendeu? Fuuundo?
-Nossa! Você está mesmo muito à vontade! –rimos.

        Jantamos, aliás, o prato estava uma delícia. Acatamos a sugestão do chef para a noite. Ele iria estrear uma nova receita ao cardápio do restaurante e veio pessoalmente a nossa mesa. Estranhei a simpatia, mas depois fiquei sabendo que Mauro era sócio dele no restaurante. Ah!
        Destiny child cantava “Emotion” ao fundo. Bem suave. Olhei ao redor admirando o lugar. Era maravilhoso, bem decorado, com uma iluminação ambiente perfeita e nós estávamos num lugar bem discreto e aconchegante. Encontrei seus olhos e sorri. Ele sorriu de volta.
        -Está se divertindo?
       -Sim, bastante! Está sendo uma noite muito agradável. Obrigada por me convidar! –respondi sorrindo.
       -Que bom! Você é que é uma companhia muito agradável. Quero que conheça a outra parte do restaurante. É um bar com pista de dança. Venha! Você disse que queria dançar.
        -Uau!
        Passamos por entre as mesas até alcançar o outro lado. O restaurante tinha um tamanho bem considerável e a parte que correspondia ao bar era igualmente bem decorada e estava lotada. Havia alguns casais dançando na pista ao som de “You never find another love like mine” com Michael Bublé.
        -Venha quero dançar essa música com você! –e me conduziu.
     Colocou sua mão na minha cintura e segurou minha mão, enquanto coloquei a outra no seu ombro. Então o senti puxar-me para bem perto de si. Prendi a respiração. Ele devia saber o que estava fazendo. Nossos rostos estavam muito perto de forma que dava pra sentir sua respiração quente e forte.
        -Você dança muito bem, Dr. Mauro. Estou impressionada.
       -Que bom, porque estou me esforçando, afinal estou com uma boa bailarina.
        Ri.
        -Relaxe! E sinta a música! –falei.
        -Uma coisa muito de difícil de fazer com você tão cheirosa desse jeito em meus braços.
     Engoli seco. Que cantada! Quando virei o rosto meus olhos encontraram-se com os seus e nossos lábios roçaram de forma provocante. Ele apertou ainda mais o abraço e quando ia me beijar finalmente, um idiota bêbado esbarrou em nós separando-nos.

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